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Latinoamérica


Las armadilhas da reforma sindical


Altamiro Borges

Rebelión

Após um ano e meio de tensas negociações, o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância tripartite que reúne representantes do empresariado, dos trabalhadores e do governo, concluiu a redação do anteprojeto de reforma de estrutura sindical. Ele traz uma enxuta Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com dois artigos e um extenso projeto de lei com 237 itens. Após passar pelo crivo do Palácio do Planalto, ele será encaminhado para apreciação e votação no Congresso Nacional. A previsão é de que seja aprovado ainda no primeiro semestre do próximo ano. Mas tudo indica que não será tão fácil assim a sua tramitação.
Afinal, a reforma mexerá com uma estrutura que já tem 70 anos de existência e ela deverá promover uma verdadeira "revolução" no sindicalismo e nas relações entre capital-trabalho. As polêmicas sobre essa iniciativa do governo Lula são explosivas. De cara, parcela do sindicalismo questionou sua oportunidade. É certo que sempre existiram duras críticas à estrutura sindical. Algumas delas foram contempladas na Constituinte de 1988, que extinguiu o poder de intervenção sindical do Estado, garantiu a organização dos servidores, ampliou o direito de greve, entre outras conquistas democráticas. Apesar disso, a estrutura existente ainda padece de vários vícios e distorções – incentiva a fragmentação das entidades, permite a criação de sindicatos de carimbo, impede a organização no local de trabalho, não reconhece as centrais.
A controvérsia é se esse era o momento ideal para reformar esse sistema; se não seria melhor o governo Lula, de origem popular, primeiro adotar medidas de geração de emprego e de valorização do trabalho, o que fortaleceria o sindicalismo antes dessa dura empreitada. Concretamente, porém, esta polêmica está superada. A reforma já é um fato! E ninguém pode alegar surpresa. Desde seus tempos de sindicalista e como um dos mentores da criação da CUT, Lula sempre defendeu radicais mudanças na estrutura sindical nos moldes da pluralista Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Forjado nos embates diretos contra o Estado ditatorial, ele sempre considerou a atual estrutura autoritária e anacrônica, chegando a afirmar que "a CLT é o AI-5 dos trabalhadores" – citando o nefasto instrumento do regime militar para castrar a oposição. Expressão da singular realidade do ABC paulista, ele acredita na idílica "livre negociação" entre patrões e trabalhadores, sem a interferência do Estado. Nas suas quatro campanhas presidenciais, inclusive na última, essa disposição apareceu escrita no programa. Empossado, o presidente Lula partiu para a imediata montagem do FNT com esse intento declarado.
CONTRADIÇÕES DA REFORMA
O primeiro embate no FNT foi sobre a dinâmica da reforma. O patronato queria iniciá-la pela discussão sobre legislação trabalhista, não escondendo sua intenção de desmontá-la de vez. Governo e sindicalistas defenderam que primeiro era preciso negociar as mudanças na estrutura sindical, definindo o papel dos interlocutores, como pré-condição para negociar as alterações trabalhistas. Venceu esta tese, apesar da chiadeira do empresariado – que ameaçou boicotar o FNT. Na seqüência, foram montadas as comissões temáticas para avançar em três pontos: estrutura sindical, negociação coletiva e composição de conflitos.
O relatório final da FNT ganhou agora a sua forma jurídica numa redação confusa e contraditória. Por um lado, o anteprojeto apresenta algumas sinalizações positivas:
a) garante, pela primeira vez na história do Brasil, o reconhecimento legal das centrais sindicais, que poderão negociar acordos nacionais, interferir em negociações estratégicas para os trabalhadores – como a recomposição do valor do salário mínimo e a redução da jornada de trabalho – e terão melhores condições políticas para horizontalizar as lutas e unificar a classe;
b) aponta, também pela primeira vez na história, para o reconhecimento legal da organização nos locais de trabalho, o que permitiria maior enraizamento dos sindicatos nas empresas, democratizaria a vida sindical e daria maior poder às bases para controlar as direções das entidades;
c) fixa a construção dos sindicatos por ramos de atividades, o que possibilita superar a atual fragmentação de entidades por profissão e categorias diferenciadas e incluir numa mesma organização sindical os trabalhadores terceirizados e precarizados;
d) abordou, de forma criativa e original, a intrincada polêmica sobre unicidade ou pluralismo sindical ao criar a figura jurídica da exclusividade da representação. Nem manteve intocada a velha unicidade, que apresenta várias distorções (como os sindicatos fantasmas); nem caiu no extremo do pluralismo, que estimularia a pulverização nas bases. Para garantir a exclusividade de representação o sindicato terá que ter, no mínimo, 20% de sócios num prazo de três anos;
e) também garantiu a sustentação financeira das entidades, sem cair no falso discurso de que só os sindicalizados devem contribuir, mas exigindo que as assembléias democraticamente convocadas aprovem o desconto por ocasião das negociações coletivas.
Estes, entre outros pontos, eram sinalizações positivas no rumo do fortalecimento do sindicalismo. Mas, como já era previsível num fórum tripartite – onde patrões e governos têm interesses distintos e mesmo antagônicos aos anseios dos trabalhadores –, o anteprojeto apresenta vários retrocessos e armadilhas. No essencial, ele tem um forte viés liberal que joga para o "livre mercado" o conflito entre capital-trabalho e fragiliza as organizações de classe dos explorados. Da forma como está redigido até agora, não garante o fortalecimento do sindicalismo, dá brechas para flexibilização trabalhista e, portanto, deve ser alterado ou rejeitado pela ativa pressão dos trabalhadores. Isto por várias razões:
PROPOSTA INACEITÁVEL
a) Centralização na cúpula. Ao mesmo tempo em que garante a conquista histórica do reconhecimento das centrais sindicais, direito este assegurado na maior parte do mundo, o anteprojeto dá superpoderes às entidades de nível superior. Vai do extremo da negação ao extremo do cupulismo! Se vingar o texto atual, os sindicatos terão reduzida sua autonomia; as assembléias de trabalhadores perderão seu poder soberano; e as cúpulas das centrais terão poderes excessivos. O artigo 101 do anteprojeto, por exemplo, afirma que a entidade de nível superior (central, confederação ou federação) poderá "limitar a matéria a ser negociada" pelo sindicato de base. Ao invés de fixar um patamar mínimo de negociação, as centrais imporiam os seus parâmetros máximos. Além disso, elas poderão criar "sindicatos biônicos", as tais entidades derivadas.
b) Ditadura nas empresas. O que seria o maior avanço da reforma, a constituição dos comitês sindicais de base, que o anteprojeto denomina de "representação dos trabalhadores nos locais de trabalho", ainda não está assegurado e surge como um formato bastante restritivo. Os empresários já anunciaram que farão de tudo para bombardear essa conquista no parlamento, onde "controlam" a maioria dos deputados e dos senadores. Eles rechaçam qualquer possibilidade da democracia penetrar nas empresas; consideram um lugar sacrossanto onde impera a ditadura do capital. Para piorar, diante da reação do patronato, o governo recuou na sua proposta original, que previa a representação nas empresas com mais de 50 funcionários. O anteprojeto prevê esse organismo apenas nas que possuam mais de 100 funcionários – sendo de apenas um representante para as que tiverem de 100 a 200 trabalhadores. Um absurdo quando se sabe que mais de 90% das empresas no país têm menos de 100 empregados. A proposta das centrais, da representação a partir de 30 empregados e com, no mínimo, três representantes, foi arquivada pelo governo. Além disso, o anteprojeto fixa como atribuição desse organismo "a mediação dos conflitos individuais", permitindo que ele homologue demissões ou negocie acordos – a exemplo do que realizam hoje as nefastas comissões de conciliação prévia. Na prática, essa redação facilita a pressão do patronato para golpear direitos em cada local de trabalho, retira o poder da pressão unificada da categoria e estimula a futura criação de sindicatos por empresa. O que parecia ser o maior avanço da reforma sindical pode se tornar uma terrível arapuca!
c) Estímulo à divisão. A original idéia da exclusividade de representação também exige reparos jurídicos para evitar que se instale um clima de guerra fratricida nas bases sindicais. Em primeiro lugar, porque esse critério apenas está garantido para as entidades que já tiverem registro na data de edição da nova lei. Os novos sindicatos, inclusive os criados por ramo de atividade, não terão essa proteção legal, o que pode estimular a criação de dezenas de frágeis entidades na base. Em segundo lugar, porque o anteprojeto não prevê anteparos à ação divisionista dos empresários. Estes poderão sabotar a conquista da cota mínima de 20% dos sócios para as entidades independentes e combativas, ameaçando os trabalhadores, e estimular a sindicalização em entidades dóceis e subservientes. Por último, e que é mais grave, o texto apresenta uma aberrante figura jurídica: a chamada "entidade derivada". Permite que as centrais sindicais, confederações e federações fundem seus próprios sindicatos, sem a exigência da comprovação da representatividade. A "derivação", que dá poderes excessivos às cúpulas sindicais, permitirá a criação de "sindicatos biônicos". Tamanhas imprecisões estimularão uma intensa disputa nas bases, com os sindicatos se digladiando pela obtenção do seu registro legal, exatamente no momento em que se inicia o debate da reforma trabalhista. O patronato, adepto do "dividir para reinar", terá melhores condições para golpear históricos direitos.
d) Ingerência do Estado. O anteprojeto apresenta um grave retrocesso em relação à atual Constituição, que proíbe a intervenção do Estado na organização sindical. Ele atribui ao Ministério do Trabalho o poder de "reconhecer a representatividade" das entidades, que será um dos pressupostos para a aquisição da sua personalidade jurídica. O texto lembra a famigerada "carta de reconhecimento" usada durante décadas por vários governos como mecanismo de pressão e aliciamento de novos sindicatos. Também o artigo sobre a criação do sindicato por ramo ou setor de atividade, a princípio um avanço, diz que a definição de critério será "procedida por ato do Ministério do Trabalho", que ainda validará o enquadramento a cada três anos. Estas normas dão brechas para as ações arbitrárias dos governos de turno na definição das bases, além de gerar instabilidade nos sindicatos que deverão comprovar representatividade a cada três anos. Já o artigo sobre o Conselho Nacional de Relações do Trabalho, fórum tripartite criado para regular a vida sindical, não dá qualquer autonomia a este organismo e o vincula diretamente ao Ministério do Trabalho.
e) Direito de greve. Já no capítulo sobre "composição de conflitos", apesar do anteprojeto afirmar que a greve é um direito fundamental e que cabe ao trabalhador escolher os motivos e as oportunidades para sua deflagração, o texto contraditoriamente amplia as chamadas atividades essenciais (artigo 115), incluindo arbitrariamente a compensação bancária, e prevê a estranha obrigatoriedade de "cotas de produção" nas greves no serviço essencial (artigo 114). Além disso, ele mantém o que há de pior no poder normativo da Justiça do Trabalho, ao permitir que ela puna os grevistas e multe os sindicatos, em até mil vezes o menor piso da categoria, em caso de "conduta anti-sindical" no comando das greves.
f) Negociação coletiva. No capítulo sobre "negociação coletiva", o fantasma da flexibilização trabalhista aparece aterrorizador. Além de alijar os sindicatos dos acordos nas empresas, que seriam "homologados" pelas representações locais, o anteprojeto prevê que o contrato coletivo poderá ser celebrado por qualquer das entidades que tenha participado da negociação e estende sua validade para toda a base. Não é difícil imaginar que o patronato privilegiará os acordos negociados com as entidades mais dóceis e frágeis. Já no caso do sindicato se recusar a negociar, devido à intransigência do patronato, ele fixa que o acordo poderá ser celebrado diretamente pelos trabalhadores. Essa aberração jurídica golpeia a livre organização sindical e reforça a chantagem das empresas. Ao mesmo tempo em que mantém a intervenção do Judiciário contra as greves, o anteprojeto limita exatamente a parte positiva do poder normativo da Justiça do Trabalho – a que garante a vigência e ampliação dos direitos consagrados nas leis trabalhistas e acordos coletivos. Por outro lado, ele estimula a chamada arbitragem, com a contratação de agendes privados para monitorar as negociações. Evidente que o patronato tem muito mais recursos para comprar e corromper os tais árbitros! A experiência recente das comissões de conciliação prévia, criadas por FHC, já revela toda essa podridão. Ao excluir a Justiça do Trabalho e estimular a arbitragem, o anteprojeto joga a relação capital-trabalho na selva do "livre mercado" e privatiza o Direito do Trabalho. Em síntese, esse capítulo abre brechas para a flexibilização trabalhista e confirma o perigo iminente da "prevalência do negociado sobre o legislado".
ANTE-SALA DA TRABALHISTA
Como enfatiza João Batista Lemos, secretário sindical do PCdoB e coordenador nacional da CSC, do jeito que está redigida "essa proposta é inaceitável. O seu resultado será o enfraquecimento do sindicalismo e a divisão dos trabalhadores". É o futuro da organização de classe dos trabalhadores que está em perigo! O sindicalismo precisa intervir com ímpeto nesse embate, em especial no período de tramitação da PEC e do projeto de lei no Congresso Nacional – que é um terreno ainda mais pantanoso e adverso. Ele não pode se omitir no debate que já está em curso e que aponta para profundas mudanças na estrutura sindical.
Por um lado, ele não pode desperdiçar a oportunidade histórica para conquistar novos avanços, exigindo o reconhecimento das centrais, a organização por local de trabalho, o sindicato por ramo de atividade e o acesso ao Direito do Trabalho. O seu esforço é para garantir maior representatividade aos sindicatos, para enraizá-los na base e para sacudir os vícios da burocratização e do distanciamento da nova realidade do trabalho. Ao mesmo tempo, ele precisa rejeitar as armadilhas que levam ao cupulismo, à fragmentação e divisão sindical, à ingerência indevida do Estado, à restrição do legítimo direito de greve, etc. A reforma sindical é a ante-sala da trabalhista. Se ela resultar em avanços, os trabalhadores terão melhores condições para exigir novas conquistas trabalhistas. Caso contrário, eles serão presas fáceis diante do capital!
Apesar do presidente Lula ter a sua origem no movimento operário, não cabe ilusão ou passividade diante da reforma trabalhista. De nada adiantará nessa batalha crucial o discurso adocicado do "paz e amor", da conciliação de classes. O capital encara esse embate como uma questão de vida ou morte! Entusiasmado com a onda mundial de regressão trabalhista, ele fará de tudo para impor retrocessos nos mecanismos da contratação e demissão, da remuneração e da jornada de trabalho. Ele tem consciência de que dispõem de poderosos instrumentos para enquadrar o governo Lula, usando a chantagem do mercado e a manipulação da mídia. E sabe que terá o enérgico apoio dos organismos mundiais do capital financeiro.
Segundo recente estudo, o FMI inclui em todas as negociações com as nações devedoras várias cláusulas exigindo a flexibilização dos direitos trabalhistas. Muitas vezes, essa imposição nem aparece na redação final dos acordos. Aparece como "cláusula não escrita e não revelada", também chamada de "acordo de cavalheiro" (gentlemen’s agreements) ou de "arranjo" (arrangements). Já no acordo assinado por FHC em novembro de 1998 estava escrito que "a necessidade da reforma trabalhista se tornou mais urgente". Renovado em 2002, com forma de aprisionar os candidatos à presidência, este acordo continua vigente. Não é para menos que a delegação do FMI que esteve no Brasil no final de setembro voltou a cobrar do presidente Lula "pressa na reforma e o compromisso com a modernização da legislação trabalhista".
O capital deseja destruir, de vez, a CLT, retirando as garantias legais de férias, 13º salário, adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade, adicionais noturno e por revezamento, pagamento das horas-extras, entre outros direitos. O seu objetivo é impor a "prevalência do negociado sobre o legislado". Para isso, ele usa o falso discurso da "livre negociação", que ainda ilude algumas lideranças sindicais. Nessa aparente liberdade, o trabalhador entra com a cabeça e o patrão, com a forca! Diante desse risco iminente, o sindicalismo precisa se armar. Só mantendo a sua autonomia diante do Estado e reforçando a pressão social é que poderá evitar o pior na reforma sindical e trabalhista!
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro "A reforma sindical e trabalhista no governo Lula" (Editora Anita Garibaldi).